Por Rogerio Ruschel (*)
Meu caro
leitor, se prepare para conhecer mais uma deliciosa história da cultura do
vinho e seu poder de transformação. É a história de uma iniciativa comunitária que
nasceu minúscula em uma região montanhosa, seca e abandonada da Espanha, está
se propaganda como uma revolução filosófica pela Europa, e ficou conhecida e
premiada a partir de uma reportagem do jornal britânico The Guardian: o projeto
MicroVinya. Um projeto que é a
demonstração de que é possivel produzir vinhos com pontuação de primeira classe
e com valores ecológica e socialmente superiores, em áreas minúsculas, a partir
de vinhedos antigos abandonados e recuperados. No mundo globalizado do vinho,
meu caro leitor, este é o tipo da coisa que só se acredita vendo.
O projeto MicroVinya nasceu em 2004 em Muro de Alcoy, um
pequeno vilarejo na parte montanhosa da Comarca de Comtat, Provincia de Alicante, Comunidade Valenciana, norte
da Espanha –
não muito longe da badalada praia de Alicante que você pode ver na foto acima,
com seu porto, e o Castelo de Santa Barbara no alto do Monte Benacantil.
Muro de Alcoy (na
foto acima, vista do alto e depois uma cena de uma de suas festas medievais) tem
700 anos de história, cerca de 9.000 moradores e sua base econômica hoje é a
indústria têxtil. Nesta área
montanhosa com solo seco, seus habitantes originais, com forte influência
árabe, durante mais de quatro séculos trabalharam na terra plantando culturas
mediterrâneas como trigo, uvas, oliveiras e amêndoas (foto abaixo).
O projeto MicroVinya tem seu
epicentro na pequena bodega Celler la Muntanya, criada pelos amigos Juan Cascant e Toni Boronat
(foto abaixo) em Muro de Alcoy, que queriam produzir um vinho para deleite
pessoal, mas se tornou uma mobilização empenhada em resgatar vinhedos em
toda a Europa Mediterrânea e
torná-los economicamente viáveis.
É uma iniciativa que faz parte de um movimento mais amplo para defender o
ecossistema mediterrâneo, a cultura, a literatura e a arte regionais, promovido por uma ONG chamada
Elviart, da qual Juan Cascant é atualmente presidente. Na foto abaixo
uma das micro-vinhas do projeto.
Pois em
2004 o arquiteto Cascant e o empresário têxtil Boronat criaram a vinicola Celler la Muntanya (foto abaixo), para plantar
e comprar uvas de produtores locais e produzir vinho para uso pessoal, além de
azeite de oliva.
Nesta região
(veja foto abaixo) se produz vinho desde os tempos dos romanos, mas no começo
do seculo XX a praga global da filoxera atingiu as montanhas de
Comtat e Muro de Alcoy, aniquilando a atividade. Por causa disso e também porque mais recentemente os proprietários
migraram para os centros urbanos em busca de empregos (um processo que ocorre
no mundo inteiro), os sócios se depararam com pequenos sitios e áreas rurais
abandonadas - situação que ainda hoje permanence: atualmente, 17 dos 24 municipios da comarca de El Comtat tem menos
de 500 habitantes.
Nestes
antigos sitios abandonados estavam vinhedos esquecidos com uvas Garnachas,
Macabeo, Malvasia, Boval, Giró, Verdil, Bonicaire (casta que foi práticamente resgatada da extinção na região), Meseguera, Monastrell e outras: seria
necessário recuperar ou arrancar os antigos vinhedos e plantar novos. Aliás, só
para o leitor saber: na Europa as autoridades da área da agricultura ordenam que
vinhedos antigos ou suspeitos de doenças sejam arrancados. Nas fotos abaixo um
broto de Garnacha Tintoreta se abre para o sol e na outra, a uva já crescida.
Com a a juda
de José Luis Pérez, enólogo, um dos maiores produtores de
vinho da Espanha e um dos maiores especialistas em viticultura mediterrânica,
Cascant e
Boronat decidiram recuperar um pequeno vinhedo abandonado, mas como a situação
era a mesma em toda a região, eles convidaram os vizinhos para fazerem o mesmo
e se associarem ao projeto. Assim, todos os proprietários acabariam
participando de uma atividade econômicam cada um plantando um pouquinho em sua
propriedade abandonada. A proposta foi bem recebida e cerca de 28 pequenos
proprietários toparam participar do projeto, cada um plantando suas proprias
uvas em áreas pequenas, com média de 5.000 metros quadrados. Este processo
gerou o nome do projeto: Microvinhas. Para os pequenos produtores, o diálogo
que permite o esforço coletivo (foto abaixo) é um dos valores do negócio.
Mas como
eles queriam vinhos saudáveis para consumo próprio (e só para lembrá-lo, caro
leitor, vinhos convencionais apresentam traços de dezenas de produtos
químicos!), decidiram fazer produtos sustentáveis e comprometidos com valores
filosóficos mais abrangentes (veja imagem abaixo).
Com isso as
pequenos microvinhedos ganharam um sobrenome: Sustentáveis. Juan Cascant
diz que eles não pretendem produzir vinhos ecológicos, e sim, um vinho que
carregue o selo “Vino de Microviña”, que é mais do que isso, é “um tipo de identidade ética,
um selo que não apenas indica que a uva não
tem produtos químicos, mas que os produtores tem grande amor pelo que
fazem e cuidado com o território, as questões sociais, culturais e
econômicas."
Com esta
mobilização e filosofia, quatro anos depois, em 2006, a safra das 28
Microvinhas Sustentáveis totalizou 11.000 toneladas de uvas, comemorada como
uma grande conquista da comunidade – veja abaixo reportagem de jornal da época.
Neste ano a primeira
safra de Minifundi Muro, a marca que o Celler de La Montanha havia produzido para
consumo próprio (ver abaixo) acabou ficando tão boa que foi elogiada pelos críticos,
incluindo a poderosa The Wine Advocate, e conseguiu
impressionantes 90 pontos no mais importante guia
de vinhos da Espanha, o Guia Penin, onde uma pontuação entre 90-94 de 100 significa
"excelente: um vinho de
personalidade e estilo superior". Na esteira do
sucesso de crítica e
de público em 2013 sete dos produtos da Celler de La Montanha já podiam ser encontrados nos melhores restaurantes
e lojas gourmet da Comunidade Valenciana, da Alemanha e da
Costa Leste dos Estados Unidos.
A vinícola Celler de La Montanha atualmente trabalha com 35 micro-vinhas, de
micro-empresários – ou micro-novos-empresários, com nomes simples como o
prórpio conceito do projeto: "Viña El Gallego", "Viña del
Boro", "Viña de Eladio", "Viña El Tunel", "Viña
del Cesar",”Viña Malvasia de Pepe". Na foto aérea da região, abaixo,
pode-se ver a grande quantidade de micro-vinhedos.
Outro
indicativo do sucesso é que alguns dos primeiros 28 produtores parceiros do projeto MicroVinya estão acreditando em
investir no futuro. A família da arquiteta Beatriz
Vicent Ripoll tem metade de um hectare próximo da cidade medieval de Cocentaina
e sob orientação do Celler
de La Montanha ela plantou
2.500 videiras de uvas Monastrell, Garnacha Tintorera e um pouco da francesa
Syrah. Investiram cerca de 9.000, Euros e devem vender 3.500 garrafas na
primeira safra. “"Isso não vai nos alimentar ", diz a arquiteta.
"Mas é algo mais romântico; trata-se de restaurar o valor desta terra que
foi abandonada."
Uma das
fontes de inspiração do projeto MicroVinya
é o economista austríaco Christian Felber que vem fazendo sucesso junto
a novos investidores por suas ideias sobre e “a economia para o bem comum”:
segundo Felber, nenhuma empresa pode ser considerada como rentável a menos que
dela se beneficie toda a comunidade.
No contexto da sustentabilidade corporativa, estas ideias que estão por
trás do Projeto MicroVinya podem ser
encontradas nos indicadores propostos pelo Instituto Ethos, no Brasil, e pelo Global
Reporting Initiative (GRI), um conjunto de regras para empresas que querem
crescer na Nova Era da Economia Verde e Sustentável proposta pela ONU.
Juan
Cascant é arquiteto e poderia estar em qualquer grande cidade da Espanha ou da
Europa projetando prédios e ganhando dinheiro. Mas está em Muro de Alcoy, onde
nasceu, está sempre atarefado e como todo revolucionário, fazendo coisas mais
difíceis. Ele constrói parcerias, faz palestras, apresentações e cursos – no
momento está conversando com três universidades espanholas para a criação de
programas acadêmicos para propagar pelo país a experiência já acumulada em 10
anos.
In Vino Viajas entrevistou Juan Cascant – esta entrevista você pode ver em http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/05/a-revolucao-das-microvinyas-de-alicante.html
Esta matéria foi pubiada origialmente em In Vino Viajas.Saiba mais sobre vihos sustentáveis, ecológicos biodinâmicos em http://invinoviajas.blogspot.com.br
(*) Rogerio Ruschel mora em São Paulo, Brasil, é jornalista, enófilo e gosta de pessoas que constroem
seu próprio futuro – e fazendo o bem.
Sem comentários:
Enviar um comentário