sexta-feira, 20 de junho de 2014

MicroVinya: a revolução dos minifúndios sustentáveis de Alicante, Espanha, com vinhedos centenários recuperados e vinhos com identidade social


Por Rogerio Ruschel (*)
Meu caro leitor, se prepare para conhecer mais uma deliciosa história da cultura do vinho e seu poder de transformação. É a história de uma iniciativa comunitária que nasceu minúscula em uma região montanhosa, seca e abandonada da Espanha, está se propaganda como uma revolução filosófica pela Europa, e ficou conhecida e premiada a partir de uma reportagem do jornal britânico The Guardian: o projeto MicroVinya. Um projeto que é a demonstração de que é possivel produzir vinhos com pontuação de primeira classe e com valores ecológica e socialmente superiores, em áreas minúsculas, a partir de vinhedos antigos abandonados e recuperados. No mundo globalizado do vinho, meu caro leitor, este é o tipo da coisa que só se acredita vendo.

O projeto MicroVinya nasceu em 2004 em Muro de Alcoy, um pequeno vilarejo na parte montanhosa da Comarca de Comtat, Provincia de Alicante, Comunidade Valenciana, norte da Espanha – não muito longe da badalada praia de Alicante que você pode ver na foto acima, com seu porto, e o Castelo de Santa Barbara no alto do Monte Benacantil.

Muro de Alcoy (na foto acima, vista do alto e depois uma cena de uma de suas festas medievais) tem 700 anos de história, cerca de 9.000 moradores e sua base econômica hoje é a indústria têxtil. Nesta área montanhosa com solo seco, seus habitantes originais, com forte influência árabe, durante mais de quatro séculos trabalharam na terra plantando culturas mediterrâneas como trigo, uvas, oliveiras e amêndoas (foto abaixo).

O projeto MicroVinya tem seu epicentro na pequena bodega Celler la Muntanya, criada pelos amigos Juan Cascant e Toni Boronat (foto abaixo) em Muro de Alcoy, que queriam produzir um vinho para deleite pessoal, mas se tornou uma mobilização empenhada em resgatar vinhedos em toda a Europa Mediterrânea e torná-los economicamente viáveis.

É uma iniciativa que faz parte de um movimento mais amplo para defender o ecossistema mediterrâneo, a cultura, a literatura e a arte regionais, promovido por uma ONG chamada Elviart, da qual Juan Cascant é atualmente presidente. Na foto abaixo uma das micro-vinhas do projeto.

Pois em 2004 o arquiteto Cascant e o empresário têxtil Boronat criaram a vinicola Celler la Muntanya (foto abaixo), para plantar e comprar uvas de produtores locais e produzir vinho para uso pessoal, além de azeite de oliva.

Nesta região (veja foto abaixo) se produz vinho desde os tempos dos romanos, mas no começo do seculo XX a praga global da filoxera atingiu as montanhas de Comtat e Muro de Alcoy, aniquilando a atividade. Por causa disso e também porque mais recentemente os proprietários migraram para os centros urbanos em busca de empregos (um processo que ocorre no mundo inteiro), os sócios se depararam com pequenos sitios e áreas rurais abandonadas - situação que ainda hoje permanence: atualmente, 17 dos 24 municipios da comarca de El Comtat tem menos de 500 habitantes.

Nestes antigos sitios abandonados estavam vinhedos esquecidos com uvas Garnachas, Macabeo, Malvasia, Boval, Giró, Verdil, Bonicaire (casta que foi práticamente resgatada da extinção na região), Meseguera, Monastrell e outras: seria necessário recuperar ou arrancar os antigos vinhedos e plantar novos. Aliás, só para o leitor saber: na Europa as autoridades da área da agricultura ordenam que vinhedos antigos ou suspeitos de doenças sejam arrancados. Nas fotos abaixo um broto de Garnacha Tintoreta se abre para o sol e na outra, a uva já crescida.

Com a a juda de José Luis Pérez, enólogo, um dos maiores produtores de vinho da Espanha e um dos maiores especialistas em viticultura mediterrânica, Cascant e Boronat decidiram recuperar um pequeno vinhedo abandonado, mas como a situação era a mesma em toda a região, eles convidaram os vizinhos para fazerem o mesmo e se associarem ao projeto. Assim, todos os proprietários acabariam participando de uma atividade econômicam cada um plantando um pouquinho em sua propriedade abandonada. A proposta foi bem recebida e cerca de 28 pequenos proprietários toparam participar do projeto, cada um plantando suas proprias uvas em áreas pequenas, com média de 5.000 metros quadrados. Este processo gerou o nome do projeto: Microvinhas. Para os pequenos produtores, o diálogo que permite o esforço coletivo (foto abaixo) é um dos valores do negócio.

Mas como eles queriam vinhos saudáveis para consumo próprio (e só para lembrá-lo, caro leitor, vinhos convencionais apresentam traços de dezenas de produtos químicos!), decidiram fazer produtos sustentáveis e comprometidos com valores filosóficos mais abrangentes (veja imagem abaixo).

Com isso as pequenos microvinhedos ganharam um sobrenome: Sustentáveis. Juan Cascant diz que eles não pretendem produzir vinhos ecológicos, e sim, um vinho que carregue o selo “Vino de Microviña”, que é mais do que isso, é “um tipo de identidade ética, um selo que não apenas indica que a uva não tem produtos químicos, mas que os produtores tem grande amor pelo que fazem e cuidado com o território, as questões sociais, culturais e econômicas."

Com esta mobilização e filosofia, quatro anos depois, em 2006, a safra das 28 Microvinhas Sustentáveis totalizou 11.000 toneladas de uvas, comemorada como uma grande conquista da comunidade – veja abaixo reportagem de jornal da época.

Neste ano a primeira safra de Minifundi Muro, a marca que o Celler de La Montanha havia produzido para consumo próprio (ver abaixo) acabou ficando tão boa que foi elogiada pelos críticos, incluindo a poderosa The Wine Advocate, e conseguiu impressionantes 90 pontos no mais importante guia de vinhos da Espanha, o Guia Penin, onde uma pontuação entre 90-94 de 100 significa "excelente: um vinho de personalidade e estilo superior". Na esteira do sucesso de crítica e de público em 2013 sete dos produtos da Celler de La Montanha já podiam ser encontrados nos melhores restaurantes e lojas gourmet da Comunidade Valenciana, da Alemanha e da Costa Leste dos Estados Unidos.

A vinícola Celler de La Montanha atualmente trabalha com 35 micro-vinhas, de micro-empresários – ou micro-novos-empresários, com nomes simples como o prórpio conceito do projeto: "Viña El Gallego", "Viña del Boro", "Viña de Eladio", "Viña El Tunel", "Viña del Cesar",”Viña Malvasia de Pepe". Na foto aérea da região, abaixo, pode-se ver a grande quantidade de micro-vinhedos.

Outro indicativo do sucesso é que alguns dos primeiros 28 produtores parceiros do projeto MicroVinya estão acreditando em investir no futuro. A família da arquiteta Beatriz Vicent Ripoll tem metade de um hectare próximo da cidade medieval de Cocentaina e sob orientação do Celler de La Montanha ela plantou 2.500 videiras de uvas Monastrell, Garnacha Tintorera e um pouco da francesa Syrah. Investiram cerca de 9.000, Euros e devem vender 3.500 garrafas na primeira safra. “"Isso não vai nos alimentar ", diz a arquiteta. "Mas é algo mais romântico; trata-se de restaurar o valor desta terra que foi abandonada."

Uma das fontes de inspiração do projeto MicroVinya é o economista austríaco Christian Felber que vem fazendo sucesso junto a novos investidores por suas ideias sobre e “a economia para o bem comum”: segundo Felber, nenhuma empresa pode ser considerada como rentável a menos que dela se beneficie toda a comunidade.  No contexto da sustentabilidade corporativa, estas ideias que estão por trás do Projeto MicroVinya podem ser encontradas nos indicadores propostos pelo Instituto Ethos, no Brasil, e pelo Global Reporting Initiative (GRI), um conjunto de regras para empresas que querem crescer na Nova Era da Economia Verde e Sustentável proposta pela ONU.

Juan Cascant é arquiteto e poderia estar em qualquer grande cidade da Espanha ou da Europa projetando prédios e ganhando dinheiro. Mas está em Muro de Alcoy, onde nasceu, está sempre atarefado e como todo revolucionário, fazendo coisas mais difíceis. Ele constrói parcerias, faz palestras, apresentações e cursos – no momento está conversando com três universidades espanholas para a criação de programas acadêmicos para propagar pelo país a experiência já acumulada em 10 anos.
In Vino Viajas entrevistou Juan Cascant – esta entrevista você pode ver em http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/05/a-revolucao-das-microvinyas-de-alicante.html 
Esta matéria foi pubiada origialmente em In Vino Viajas.
Saiba mais sobre vihos sustentáveis, ecológicos biodinâmicos em http://invinoviajas.blogspot.com.br 

(*) Rogerio Ruschel mora em São Paulo, Brasil, é jornalista, enófilo e gosta de pessoas que constroem seu próprio futuro – e fazendo o bem.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...