Por Rogerio Ruschel (*)
Meu
prezado leitor (a), nosso planeta realmente precisa de ajuda: a partir de 19 de
agosto, no restante deste ano de 2014 estaremos consumindo mais recursos
naturais do que o planeta consegue repor. Neste que é o Dia da Sobrecarga da Terra (Overshoot Day), medido pelo Global
Footprint Network (GFN), entramos “no vermelho” em termos de estoque de recursos
- e aquela corujinha do Alentejo, Portugal, que está na foto de abertura, está
atenta ao que fazemos.
Eu
procuro ajudar como consumidor, inclusive de vinhos: além de procurar rótulos
ecológicos ou biológicos, procuro evitar garrafas com tampas de plástico ou
alumínio, porque são feitas de recursos finitos, além de deselegantes. E
como jornalista gostaria que você
soubesse que a cortiça ajuda porque é um dos poucos materiais construtivos que
é 100% natural, 100% ecológico e 100% reciclável – além de 100% eficiente para
selar garrafas de vinho.
Ou seja:
além de preservar o vinho, a cortiça ajuda a preservar recursos naturais como
as abelhas (acima, produzindo mel no Algarve português) que polinizam flores e
frutas e por incrível que pareça, estão desaparecendo.
A cortiça
é obtida a partir da casca do sobreiro (veja as fotos acima), uma árvore da
espécie Quercus, típica de
ecossistemas da bacia mediterrânica (Argélia, Marrocos) e litorâneos do sul da Península Ibérica e com influência atlântica (veja mapa abaixo).
Em
Portugal – produtor de 53% da cortiça do mundo e também o principal importador – este ecossistema se chama Montado de Sobro (foto abaixo) e representa cerca de 21% da área
florestal do país.
Espécie protegida por lei há séculos (em
Portugal desde a Idade Média), o sobreiro chega a atingir 25 metros e 300 anos
de vida e além de seu óbvio valor econômico, ajuda a preservar áreas
gigantescas – cerca de 2 milhões de hectares da bacia mediterrânica - veja as
regiões no mapa acima. Em Portugal
cerca de 730 mil hectares de Montado de Sobro formam um santário de
biodiversidade que protege mais de 60 espécies de aves, 24 de répteis e
anfibios, 37 mamiferos e centenas de espécies de plantas – segundo
pesquisadores, cerca de 135 diferentes plantas por hectare. Entre os animais
protegidos estão o Lince Ibérico e a Cegonha, abaixo.
Como é uma árvore grande, alta e tem uma
longa vida, o sobreiro estabiliza ciclos naturais, ajuda a preservar o solo,
recicla nutrientes e água, produz matéria orgânica em bom volume, reduz a
velocidade dos ventos e pelo fato da cortiça ser um ótimo isolante, ajuda a
evitar incendios florestais. E
nestes tempos de crise de recursos do planeta, meu caro leitor, a cortiça tem
outra qualidade muito valiosa: é um material altamente ecoeficiente, do qual nada
se perde.
A cortiça é retirada do sobreiro (fotos acima
e abaixo) a partir de 25 anos de idade, e a partir daí, de nove em nove anos,
em média. Mas para uso em garrafas de vinho a cortiça só terá condições ideais
a partir do terceiro descortiçamento, quando a árvore vai estar com cerca de 43
anos. Aliás, isso quer dizer, meu caro leitor, que a rolha de sua garrafa pode
ter uns 50 anos de vida, mais “velha” do que o próprio vinho, mesmo os de
guarda.
Então quando a cortiça ainda não está
adequada para se fabricar rolhas, é utilizada em dezenas de indústrias,
especialmente para design e mobiliário; os resíduos industriais da produção tem
alto valor em indústrias técnicas (automobilistica, aeroviária, ferroviária,
vedantes) e até mesmo o pó de cortiça é utilizado para geração de energia “lipa”.
E é claro, a cortiça é 100% reciclável.
Além disso, a pegada ambiental da cortiça é
altamente competitiva: as
florestas portuguesas de Montado de Sobro fixam até 1 milhões de toneladas de
CO2 por ano e as rolhas de cortiça emitem 10 vezes menos CO2 do que rolhas de
plástico e 24 vezes menos do que cápsulas de alumínio! E se considerarmos
também aspectos econômicos, sociais e culturais, a rolha de cortiça vai
continuar abrindo meus vinhos prediletos. A agregacão de valor econômico da
indústria da cortiça para Portugal significa 30% do PIB da agricultura, 16.500
empregos diretos e milhares de empregos indiretos associados a atividades que
existem em função da preservação do Montado de Sobro, como agricultura
familiar, produção de aniais domésticos, mel e cera; produção de carvão, pesca
e turismo.
Para os sete países mediterrânicos produtores
(Portugal, Espanha, Marrocos, Argélia, Tunísia, França e Itália) a atividade
corticeira sigifica a geração de cerca de 100 mil postos de trabalho – e a
extração da cortiça, por sua delicadeza e especialização é o trabalho agrícola
mais bem pago do mundo.
E para
completar, saiba que a rolha de cortiça protege a qualidade do vinho agregando
valor à saúde. Explico: quando em contato com o vinho os taninos e flaonóides
da cortiça (e do vinho) formam compostos antioxidantes, antibacterianos e
anticancerígenos que ajudam a diminuir o risco de doenças cardiovasculares e
degenerativas. E isso explica porque a cortiça é usada também nas indústrias
farmacêutica e cosmética.
Pois é,
meu caro amigo, e tudo isso preservando a qualidade integral do vinho,
especialmente desde 1997 com a adoção do CIPR, um conjunto de normas de fabricação de rolhas
de cortiça, que praticamente elimina a possibilidade dela contaminar o vinhos.
Na verdade esta certeza já havia sido demonstrada na vida real, quando 70 garrafas de
champanhe produzidas entre 1782 e 1788 pela Veuve
Clicquot foram encontradas no fundo do mar Báltico, entre a Finlândia e a
Suécia, e se constatou que as rolhas de cortiça as tinham mantido intocadas por
mais de 220 anos!
Então
fica fácil entender porque eu – e mais de 80% dos consumidores e vinhos –
preferimos rolhas de cortiça. E entre estes consumidores acrescento o de uma
personalidade de prestígio internacional e venerável consumidor de vinhos, o
Príncipe Charles que disse m discurso no evento Eironatur, em 2002, na
Alemanha, que “Não entendo a razão
pela qual alguém quer colocar uma rolha feia e sintética no gargalo de uma
garrafa de vinho, mas isso certamente causa impactos negativos de longo
prazo.”
Saiba mais:
Sobre o aquecimento
do planeta e a indústria do vinho - http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/01/os-impactos-do-rechauffement-de-la.html
Sobre vinhos orgânicos e naturais: http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/02/vinhedos-e-vinhos-biologicos-organicos.html
Sobre a reciclagem de rolhas: http://invinoviajas.blogspot.com.br/2014/07/jovens-empreendedores-da-espanha.html
Sobre a cortiça: http://www.apcor.pt/
(*) Rogerio Ruschel mora em São Paulo, Brasil, onde edita o blogue de enoturismo e cultura do viho In Vino Viajas e fica desejando estar sempre em Portugal
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