Foi cumprir o plano até perceber que sem estudos não iria longe. Voltou à escola, formou-se em Engenharia Agronómica. A seguir, decidiu que não queria ensinar… mas tornou-se docente e é, actualmente, o único professor catedrático de Viticultura em Portugal.
Pelo meio, nunca perdeu de vista a grande paixão: o campo e a vinha. Em Lousada recuperou, juntamente com a família, a Quinta de Lourosa, onde pôs em prática as suas experiências de investigação, que hoje são reconhecidas e postas em prática em vários países de todo o mundo. Conheça Rogério de Castro.
Paixão pela terra desde o berço
Duas páginas não seriam suficientes só para dar conta do extenso currículo profissional de Rogério de Castro. Sejamos pois sucintos: licenciou-se em Engenharia Agronómica, em 1975, pelo Instituto Superior de Agronomia/Universidade Técnica de Lisboa, doutorando-se em Ciências Agrárias anos mais tarde; tornou-se docente e investigador das áreas de viticultura e horto-fruticultura, leccionando em várias universidades portuguesas, e é Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia (ISA) desde 1994; foi coordenador dos três primeiros cursos de Mestrado em Viticultura e Enologia do país e presidiu à respectiva Comissão Científica; participou em dezenas de estágios, congressos e simpósios por todo o mundo; coopera/faz consultadoria em vários organismos públicos e privados; já orientou mais de uma centena de teses de licenciatura, mestrado e doutoramento e coordenou vários projectos nacionais e europeus – é o representante de Portugal no Bureau e no Comité do Groupe d'Études des Systèmes de Conduite de la Vigne (GESCO), desde 1993 -; e é autor e co-autor de mais de 200 trabalhos publicados.
Mas no meio de toda esta vida preenchida e dedicada ao ensino, à investigação e à produção de conhecimento, Rogério de Castro nunca perdeu de vista a sua grande paixão: o contacto com a terra e com a vinha.
Talvez o gosto venha do berço. Rogério de Castro nasceu em Gondomar, há 66 anos, numa família numerosa e ligada à agricultura e à vitivinicultura há várias gerações. Sendo o mais novo de sete irmãos, e tendo muitos primos, a infância fez-se de inúmeras actividades culturais mas também agrícolas, em cada sempre cheia, conta o professor catedrático. Apesar de nunca ter tido grande apetência ou habilidade para a modalidade, na escola os intervalos eram preenchidos com "bravíssimos jogos de futebol". Praticou depois um pouco de atletismo amador, e, hoje, as modalidades preferidas, como observador, são o hóquei em patins e o ciclismo, mas o "desporto" que mais o fascinava, e ainda fascina, é a agricultura.
Estudar ou não estudar, eis a questão
Esse período de crescimento foi, por isso, fértil em aprendizagem, ligada ao lazer e também ao trabalho agrícola. "Desde que me conheço que quase brincávamos fazendo agricultura", recorda Rogério de Castro. "Bem cedo, habituamo-nos a brincar nas vinhas, na vindima ou a fazer a trasfega do vinho", num trabalho muitas vezes duro mas aliciante, acrescenta.
Ainda hoje não sabe quando decidiu que seria esse o seu caminho. "Acho que não decidi, foi acontecendo", explica o dono da Quinta de Lourosa. Por volta dos 10 anos já tinha uma certeza: não queria estudar mas se estudasse seria Agronomia. Na adolescência quis sair da escola, ainda que contra a vontade dos pais, e tornou-se, durante um período, jovem agricultor a tempo inteiro. "Isso criou uma angústia aos meus pais e aos meus irmãos, que estavam todos a estudar. Era o puto irreverente que queria ser agricultor. Naquele tempo ser agricultor pressupunha não estudar, o que era gravíssimo, porque nenhuma actividade se pode desenvolver muito se não houver formação", acredita Rogério de Castro.
Resolveu então retomar os estudos de forma enérgica. Antes, ainda fez cursos psicotécnicos, para ter a certeza que seria essa a sua vocação, e o resultado foi inequívoco: Agronomia. Seguiu para Lisboa, para o curso de Engenharia Agronómica no Instituto Superior de Agronomia. Bom aluno, foi monitor de viticultura no último ano e estagiou na Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Surgiu então a hipótese de concorrer para professor assistente do ISA, nesta área. "Mas tal como na minha adolescência tinha decidido não estudar (e depois fui), também quando fiz o curso tinha tomado uma decisão: não ficaria em Lisboa e, muito menos, na universidade e a dar aulas", conta o docente. Só que ganhou o concurso… e ficou. Progrediu na carreira e, desde há 18 anos, é professor catedrático em Viticultura. "E, infelizmente para mim, e para o país em certa medida, sou ainda hoje o único catedrático das universidades portuguesas em Viticultura", refere.
Descobriu no ensino outra paixão. Mas nunca a separou da prática agrícola e vitivinícola nem da investigação. "Não é fácil ter-se um bom desempenho como professor se, subjacente a essa actividade não houver uma actividade de produção de conhecimento ou uma componente experimental. Se temos a nossa actividade só no ensino ele torna-se estéril e enfadonho", acredita Rogério de Castro. Por isso, logo no segundo ano como docente, começou a espalhar ensaios experimentais por todo o país, nas áreas da fruticultura e viticultura. Gradualmente, envolveu-se em projectos do sector empresarial e as oportunidades, que soube aproveitar, foram surgindo. Com a entrada do país na Comunidade Europeia, acabou por ser convidado para representar Portugal em vários projectos, já que era o único doutorado da área na altura. Foi também aí que integrou o GESCO, grupo europeu onde preside à secção de "Controlo de Rendimento e Qualidade".
Aquilo que antes era uma rejeição - a educação e o ensino - quase se tornou uma dependência. Durante vários anos esteve mais ligado à universidade e investigação aplicada, mas, sendo um homem que gosta de "criar pontes", procurou sempre uma ligação ao tecido empresarial. "Quando a crise começou a adivinhar-se e havia menos meios de investigação senti o chamamento de avançar para projectos de criação de riqueza e aplicar o know-how existente", confirma o vitivinicultor, que apostou na Quinta de Lourosa.
E, porque tudo é complementar, ao longo de 40 anos nunca deixou de estar ligado à terra. "Sinto que não teria sido feliz no ensino sem isso, sem essa vivência. As duas coisas são inseparáveis", confessa o investigador. É que "trabalhar na vinha, andar com o tractor, permite perceber se é fácil ou difícil trabalhar neste ou naquele modelo", explica.
Prepara aulas enquanto anda de tractor
Vai ao campo quase todos os dias, por vezes várias vezes ao dia ou mesmo dias inteiros. "Aqui na Quinta, quando está bom tempo, dificilmente consigo estar fechado. Quando vejo bom tempo sinto um chamamento e tenho que ir às vinhas, por necessidade empresarial e por questões psicológicas. Tenho que mexer nas coisas", assume Rogério de Castro. É ali que testa os seus conhecimentos, que idealiza modelos de trabalho, que vê o que correu bem ou mal e que tenta perceber o que há a mudar e a simplificar. "A vinha é um espaço fundamental. Quase preparo conferências e aulas enquanto ando com o tractor a pulverizar, a capinar… durante horas", explica. O professor defende ainda que ninguém consegue trabalhar bem na vinha se não estiver "com ela" com muita frequência. "O segredo da viticultura está na frequência de observação das coisas e na intensidade com que se actua. É preciso ter coragem de ir à vinha e não fazer coisa nenhuma ou de recuar e proceder a intervenções com mais leveza. E isso é difícil, porque todos nós gostamos de ver trabalho", conclui.
Na vinha, apesar de a fase da colheita/vindima ser o corolário de um ano de trabalho, a sua fase preferida é a intervenção em verde: "É das coisas que mais gosto. A planta reage às nossas intervenções, há aprendizagem contínua e diálogo. O ponto fraco da viticultura é que a intervenção do homem sobre a planta dá-se sobretudo quando ela está parada e não reage".
Por ter um trabalho de uma vida nesta área, vê com interesse este regresso aos campos das gerações mais novas, mas avisa que esta tem que ser realista. "É preciso que as pessoas venham para fazer e consigam criar condições de sustentabilidade. Imagina-se um mundo rural diferente do que ele é. Ele é duro. Agora está na moda, começa a ser apetecido, mas é preciso ver se se conseguem criar condições para que se viva com dignidade, porque um dos males do mundo rural no passado foi a perda de estatuto e de dignidade que levou os melhores a fugir", conclui.
Na Quinta de Lourosa nasceu o "Ferrari" dos sistemas de condução de vinhas
A Quinta de Lourosa faz parte da sua vida desde que se recorda. "Esta quinta está na família há mais de um século e o meu pai acabou por comprar as partes dos restantes herdeiros. Venho cá desde a meninice. Lembro-me que a única razão válida para faltar às aulas na escola primária era para vir com ele à quinta", recorda Rogério de Castro.
A ligação manteve-se ao longo dos anos, até que, por vontade de todos os irmãos, decidiram vender. "Determinamos valores, apareceram candidatos e, no dia em que íamos decidir a quem vender, desafiei uma irmã a evitar a venda", conta. Uns anos mais tarde, com a família, lançou-se no desafio de criar novas vinhas e dar vida às ruínas em que se transformou a casa. De Lisboa vieram morar para o Porto, enquanto decorriam as obras que criaram também um espaço de turismo rural, e, mal puderam, há cerca de 12 anos, venderam tudo e mudaram-se para Lousada.
A par disso, os conhecimentos de Rogério de Castro permitiram-lhe relançar a quinta em termos agrícolas. Os campos, divididos em pequenas parcelas, nem sempre contíguas, tornavam o espaço inviável. Num trabalho de quase 30 anos arrendou terrenos, vendeu e trocou outros, até conseguir o que chama de "emparcelamento funcional". "Era preciso criar condições para que as coisas funcionassem em termos económicos e ergonómicos. Que fosse possível fazer vinhas mecanizáveis e viabilizar o projecto", salienta o vitivinicultor.
Na Quinta de Lourosa pôs em prática muitos dos modelos que acabaram por ser exportados. Foi ali que se fez o primeiro campo de selecção de castas Arinto (Pedernã) em Portugal e que foi criado o sistema "Lys" de condução das videiras. "Fizemos ensaios e várias teses de mestrado e doutoramento. Hoje estão em campos experimentais na Europa e em todo o mundo", confirma o docente universitário. "Ainda há uns meses, estava no Uruguai com um colega e, numa das empresas que fomos visitar, foram-nos mostrar um sistema que era muito interessante. E foi muito divertido porque o meu colega no fim da visita disse: 'Olhe o criador do sistema está aqui, é o Rogério de Castro", conta.
Produzem 250 mil litros de vinho por ano
Este sistema não é mais que um conceito dinâmico que continua a evoluir. "Isto é como um bom carro. Alguém com pouca aptidão para a condução se se envolve com um Ferrari tem muitas hipóteses de na primeira curva se esbarrar. Este sistema é o Ferrari da viticultura e, se for mal conduzido, transforma-se num carro desastroso", exemplifica.
Em Lousada, com a filha Joana de Castro, enóloga que partilha com ele este projecto, produziram vinhos reconhecidos e premiados. Rogério de Castro diz que ainda há muito a fazer e que é um sonhador, mas acata com realismo que é preciso produzir vinhos sempre melhores que sejam apreciados pelo consumidor. "Temos que fazer vinhos excelentes não só para nós, mas que os consumidores achem que são possíveis e acessíveis", assume.
Face à crise e à quebra de poder de compra, exportam sobretudo para a Alemanha, Polónia, Suíça e também Cinha e Japão, em pequenas quantidades. Produzem cerca de 250 mil litros de vinho por ano, em 27 hectares de vinha. "Não pretendemos aumentar, queremos é valorizar o nosso produto", salienta Rogério de Castro.
Quem é Rogério de Castro?
À pergunta responde primeiro com um "nem eu sei", mas logo se define como "um sonhador que gosta de fazer coisas: de escrever, de comunicar, de ter tempo para actuar sobre o terreno em termos operacionais e que gosta muito de criar pontes no sentido social e inter-organismos". Rogério de Castro não corre para os prémios, mas não esconde que gosta de ser reconhecido pelo seu trabalho, como tem acontecido – em 2012, dois livros em que foi co-autor foram premiados pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho; foi distinguido como "Cavaleiro de Honra" do GESCO, entre outros. Por outro lado, assume que não suporta oportunismo nem admite que se percam oportunidades.
Humilde e frontal gosta da natureza, mas gosta sobretudo das pessoas e considera o desempenho dos alunos que ajudou a formar como o seu "maior património". Desde criança, apesar de ter nascido em família "portista", é adepto do Belenenses. Gosta da escrita de Eduardo Agualusa, Mário Zambujal e Fernando Namora, entre muitos outros, e ouve sobretudo música ligeira, deleita-se de Zeca Afonso a Chico Buarque. A sua cor favorita é o verde.
"Lousada ou Lisboa?", pergunto. "As duas, cada qual a seu tempo", confessa. "Lousada é uma vila simpática, em que me sinto bem. Não conheço muita gente daqui mas, da que conheço, há gente muito interessante", admite Rogério de Castro.
Gosta de viajar, mas falta-lhe tempo. No passado, os projectos de investigação e congressos levaram-no a todo o mundo (Japão, Alemanha, França, Itália, Brasil, Uruguai, Estados Unidos…). "Já antes, enquanto professor assistente, as minhas férias passavam por fazer campismo, com a família, pela Europa, fazendo estágios em cada estação", explica.
Quando o questiono sobre os três vinhos que prefere não os consegue elencar. "Elencar três vinhos significa penalizar milhares", frisa. Diz-me antes os seus preferidos da Quinta de Lourosa: o "Quinta de Lourosa", que bebe mais vezes; o "Vinhas de Lourosa", que é o melhor par uma refeição de um dia de trabalho; e para uma ocasião especial, o "Quinta de Lourosa – Alvarinho" ou o espumante rosé da Quinta. Todos eles devem ser consumidos em boa companhia e em ambientes com dignidade, para serem valorizados, defende.
Para o futuro, só tem um sonho, continuar a fazer aquilo de que mais gosta. "O meu sonho é ir fazendo coisas interessantes e ser útil. Enquanto me sentir útil serei feliz", conclui Rogério de Castro.
|
Sem comentários:
Enviar um comentário